15 maio, 2006


Um Pouco da Minha Mãe!

Foi num sábado de manhã, depois de varias idas e vindas para o hospital e para casa, que minha mãe, uma italiana viçosa, cheia de energia e força começou a se afastar da casa que sempre foi o nosso abrigo, o nosso lar, a nossa fortaleza.
Era ali que minha família certa ou errada, cheia de qualidades e de defeitos se estruturava, sempre com o trabalho árduo e honesto do meu pai que se desdobrava para dar sustentação material e afetiva para todos os filhos. Infelizmente o perdemos bem cedo, quando ainda poderia der nos ensinado ainda mais pelo exemplo, pois era um homem pródigo de caráter e de uma sensibilidade ímpar.
Anna Rosa era o nome da minha mãe, mulher super habilidosa, de pendores múltiplos e de grande abnegação ao trabalho e uma determinação férrea de causar inveja aos mais novos. Valente e corajosa, tomava iniciativas de controle total sobre tudo e todos, auto didata em economia, pois conseguia gerir uma família de sete pessoas, não deixando faltar nada, desde comida, roupa e colégio, um tanto avessa ao lazer, pois dizia que era desperdício de dinheiro.
Também o que se esperar de uma italiana, que conviveu com a guerra, onde uma cebola era motivo para poupar, de tão escassa que era. Contava ela que meia rodela de cebola bastava para temperar o arroz e uma outra o feijão, isso quando existia para comer.
Minha mãe era uma mulher sábia com uma noção exata de economia, onde desperdiçar era uma palavra proibida. Hoje eu me dou conta que as primeiras noções de como não desperdiçar os alimentos apreendi com ela.
Ela era tão sábia que meus amigos apreenderam com ela como aproveitar as sobras e transformar em guloseimas. Das folhas da beterraba e da cenoura ela fazia omeletes maravilhosos, extremamente saborosos, numa rapidez de fazer inveja. Bastava ter um ovo e uma pitada de sal, umas gotas de óleo, cebola a gosto, salsinha, hortelã e as sobras que houvesse na geladeira que estava feito um manjar.
D’água que ela cozinhava a beterraba, fazia sucos que era disputados na mesa por todos nós ou cremes com clara batidas em neve ou com colheres de mingau de maisena. Eu particularmente adorava.
Das maçãs ela cortava em rodelas e as secava no sol, para chá, sucos ou cremes. Dos pêssegos ela picava em vários pedaços, inclusive o caroço ela utilizava e os secava ao sol por um bom tempo para fazer um doce de tamanha nobreza que eu conheço por arigonha. Como eram bons os quitutes da minha mãe!
Quibebe, mocotó, massas caseiras, geléias de marmelo, de goiabada, de laranja, de figo, doce de laranja azeda, goiabada cascão, pêssego em conserva que duravam anos em cima do armário e que só abria quando chegavam visitas ou quando a gente não mais agüentava de vontade de comer, aí quando ela saia para viajar meus irmãos e eu comíamos tudo, pois sabíamos que na sua volta iria sobrar para nós, mas seria uma única vez que apanharíamos, essa era a nossa lógica infantil, doce e maravilhoso pecado, doce de figo que eu adoro, mas que odiava ter que limpar para fazer figada, pois tínhamos de raspar um a um tardes a fio para ter uma quantidade suficiente para colocar num grande tacho de cobre, que eu ainda tenho na minha casa como enfeite e porta revistas.
Única herança que eu quis dos utensílios da minha mãe, pois para mim restava as lembranças e os exemplos que ela deixara.
Voltando naquele sábado 17 de Agosto, quase 15 anos atrás quando a levamos de volta para o hospital, lembro dela ter dito que desta vez ela estaria saindo da casa e que não voltaria mais, que esta vez seria definitivo. Querendo anima-la disse que era bobagem ela estar falando aquilo, que essa estadia no hospital seria para recuperar forças, se fortalecer e poder voltar para acariciar o neto Matheus que fazia recém 37 dias que havia nascido, fruto de uma gestação irresponsável, tida como independente pela minha irmã.
Mesmo eu articulando inúmeros argumentos para fortalecer a sua auto-estima e dar-lhe segurança, minha Mãe insistia que dessa vez ela não voltaria mais para a casa.
O que dizer para essa mulher que sempre antecipava os acontecimentos com uma sabedoria e certeza de uma bruxa milenar. Minha Mãe tinha poderes extra-sensoriais de fazer dupla com Chico Xavier. Ela era mística por natureza e acertava quase sempre quem estava para chegar em nossa casa. Achávamos graça desses pendores e nunca levamos muito a sério, mas respeitávamos a maneira dela encarar essas visões.
Minha mãe naquele sábado saiu da nossa casa e não mais voltou. Faleceu na terça feira seguinte, tão silenciosamente que meus irmãos que estava no quarto não perceberam que ela se fora. Nem um gemido, nem um aí, se apagou feito um anjo, partiu!
Eu não estava lá, mas senti uma angústia tão grande na Escola que eu lecionava que eu pedi para sair mais cedo. Um aperto, uma ansiedade, uma inquietação começou a se apoderar de mim a partir das onze horas. Saí de lá e tão logo eu saia, soube mais tarde que haviam telefonado para a escola para avisar que ela havia falecido.
Quando cheguei tudo havia terminado!
Dali para frente cada um dos meus irmãos tomou o seu rumo na vida!
Minha família acabou!
O elo que nos unia se foi, partiu, acabou!
Hoje só a saudade consola a grande falta que sinto dela!

10 comentários:

Anônimo disse...

Emocionante....
O que é a vida sem essas lembranças para guardar....
Achei incrível essa tua capacidade de dissertar tuas dores com uma tranqüilidade dos iluminados.
Tuas palavras conseguem passar uma paz infinita de que superas tuas saudades com o aprendizado da vida.
Tua aura deve ser alva como é a pureza dos teus sentimentos.
Que texto fantástico!

Anônimo disse...

Estavas iluminada quando começastes a escrever esse texto. Ele é tão real, tão sincero que fiquei muito emocionada. Parabéns pelos teus sentimentos exposto aqui com tanta veracidade.

Anônimo disse...

Elenara, bonito e emocionante estas lembranças de sua mãe. Certamente cada um dos filhos a tem dentro de si.
Abraços!

Anônimo disse...

Só tu mesma Elenara para transformar emoções e saudades em pura arte.
Arrasou nesse texto amiga véia!

Anônimo disse...

Tu és uma danada, sempre emocionando o meu coração.

Anônimo disse...

Emocionante esse texto, comovente mesmo. Imagino a tua dor e a tua saudade.
Um beijo.

Anônimo disse...

Muito triste.

Anônimo disse...

Esse texto me tocou fundo. Lindas palavras e com um sentimento de arrepiar. Com certeza de onde D.Anna Rosa estiver, estará orgulhosa desta filha, semente que deixou aqui para nos fazer sonhar e nos acalentar com a sabedoria e lucidez.
Que brinca com as palavras sempre de maneira exemplar, puro sentimento.
Um grande abraço!
Beijos!
Não podia deixar fazer este comentário, pois são estas atitudes que te torna uma pessoa especial a todos que te conhecem, continue assim, iluminando nossos corações e colorindo nossos sentimentos.
Beijos!

Anônimo disse...

Mãe é sempre uma parte da gente e quando perdemos, algo em nós se mutila.
Lindo!

Anônimo disse...

Elenara, o meu comentário é mais culinário e menos romântico, ARIRONHA é um doce feito com arroz e pêssego seco (passa) e não com caroço de pêssego. Seu texto é muito bonito. Um abraço.

PS. Também sou de Santa Maria, mas estou morando longe a mais de trinta anos. Flavio (flavio@atheist.com)