02 janeiro, 2008


171

“AMOR: humor”
Oswald de Andrade

171 é um artigo do código penal, sobre estelionato, mas que se transformou em gíria para designar alguém malandro, sempre tentando dar um golpe, vendendo o que não possui, entregando documentos falsos em lugar dos verdadeiros, enganando, mentindo, levando prejuízos dessa espécie a quem lhe aparecer pela frente.
171 é aquele político que não tem nada a perder em uma eleição e promete até trazer as próximas olimpíadas para a cidade, motel de graça para todos, acabar com os impostos, arranjar até namorado (a) para quem não tem. É aquele tipo de político que sempre coloca o verbo na primeira pessoa, repetindo o bordão do fez e vai fazer mais. Que sempre tem um Álibi contra quem o denuncia como desonesto e corrupto. Por sorte, não temos deles por aqui!
171 é aquele sujeito que tira “um sarro” em todo mundo e muita gente ainda acredita em suas palavras como se fossem sérias e verdadeiras.
O 171 sabe que não adianta levar a vida tão a sério, afinal, dela ninguém sairá vivo, como já disse o compositor Belchior.
O 171, por fim, garante-nos a diversão e o entretenimento, com sua “lábia”.
O 171 é o palhaço da ocasião, aquele que nos obriga à risada constrangida. É o enganado que aprendeu com o enganador o exercício da sobrevivência. É o anti-herói por excelência. É o nosso Macunaíma. É o que há de mais profundamente verdadeiro em cada um. Em cada um de nós, brasileiros.
Transformar esse método em piada é a única chance de não se deixar contaminar por algo que poderia nos tirar o humor.
Devolver aos 171 – sob forma de chiste, blague, blefe – a mentira que, de tanto repeti-la, ele próprio acaba acreditando, é a melhor arma. Responder-lhe com argumentos sérios ou indignados seria como que validar sua posição. Seria dar corpo a um engano.
No fundo, no fundo, é isso que se espera, também, da arte. Da verdadeira Arte. A arte como engano, como “vontade de ilusão” , como já disse o filósofo. E nada melhor para aceitar o engano do que o humor.
Marcel Duchamp foi, talvez, o primeiro artista a se dar conta desses “jogos de enganos”, ao deslocar do objeto para a idéia, a “aura” que até então cobria a arte. Ao eleger um banquinho com uma roda de bicicleta como peça de arte, todo o entendimento que se tinha, até então, de arte como “ciência do belo”, caiu por água abaixo.
Ao retirar um objeto industrial de sua função e colocá-lo dentro de um museu de arte, chamou à responsabilidade os artistas para o mundo em que estão inseridos. Não dava mais para o artista ficar de costas para a realidade, mudando cores para lá e para cá. Era preciso mais.
Era preciso se posicionar. Arte passava a ser sinônimo de atitude. Aos que lhe perguntavam se sua atitude era uma ironia, respondia que não, que sua atitude tinha era “humor”. O que podia ser uma ironia, mas não deixava, de qualquer modo, de ser, também, humor.
Humor é uma estratégia dos quais muitos artistas e movimentos têm lançado mão, desde então. O movimento “Força Jovem” é um deles. Inspirado em slogans de campanhas eleitorais e na eterna relação entre a juventude e o novo (símbolo antigo do modernismo), brinca com símbolos e mitos revolucionários, vendendo carteirinhas de anarquista, atestado de herói, passe de líder, etc e utiliza-se da mais deslavada cara de pau para anunciar a redenção pelo futuro, com frases vazias, mas cheias de efeitos.
Seu assumido cinismo o torna politicamente incorreto, e, ao mesmo tempo, crítico feroz da cooptação de quem usa a ingenuidade alheia para dela tirar partido.
O Stressionismo é outro movimento – movimento, não, surto! – cuja poética “está fundamentada na falta de poética”, segundo seu criador Wilson Inácio (www.stressionismo.hpg.ig.com.br) . O manifesto Stressionista prega que “todo artista é um crítico, mas nem todo crítico é um artista”.
O vídeo que apresenta trabalhos stressionistas começa com a gravação de uma fita cassete, parada, enquanto uma voz feminina diz coisas como: “o stressionismo quer defender a culinária enquanto arte. Comer é privilégio de poucos. A Arte, também”.
Outro “movimento surgido recentemente é o “Miguelismo”. Miguelismo, vem de “Migué”. Dar uma de “Migué”. De “João-sem-braço”. De conversar, tentando convencer. Ou de fingir que não é consigo a questão.
Seu “fundador”, João Fábio, inventou até uma exposição relâmpago de suas pinturas, cujo evento recebeu o sugestivo nome de C.I.P.Á. (Circuito Independente Paralelo de Artes), mostrando que até na falta do que dizer, “si pá, joga um migué que cola”.
Essa a lei do 171. Pode parecer ridículo, e o é, mas é incomparavelmente mais corrosivo e inteligente do que querer se passar por sério, fingindo-se estar acima do sarro e da gozação.

Texto
Rubens Pileggi Sá
http://www.canalcontemporaneo.art.br/arteemcirculacao

8 comentários:

Elenara Castro Teixeira disse...

Achei interessante esse texto, daí deixá-lo postado no Blog para que todos que cheguem até aqui, tomem conhecimento.

Anônimo disse...

Que bela idéia Elenara. Gostei muito desse texto.

Anônimo disse...

kakakakakakak!!!!

Anônimo disse...

Genial!

Anônimo disse...

Muito inteligente essa abordagem.
Valeu!

Thiago disse...

¡¡¡De Brasil!!!! Eu pensei que ti eras portuguesa.... ¡Sorry! jaaj

Otro bezo.

Elenara Castro Teixeira disse...

Thiago!
Não sou portuguesa não, mas bem brasileira e gaúcha....Rsssss!
Obrigado pela visita.
Um abraço!

Wilson Inacio disse...

onheça o blog do stressionismo

www.stressionismo.blogspot.com